COLUNA TEMPO & PALAVRA “LEMBRANÇA DE MENINO DA RUA DE CASCALHO”

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O amigo e conterrâneo Celso Mello postou na página Memórias de Carandaí e no Facebook uma mensagem histórica fazendo referências justas à antiga Casa Nogueira. Não resta dúvida que constituiu um grande empreendimento na nossa terra para a época. Tratava-se de um grande empório que vendia louças, ferragens, cimento, querosene, sapatos, calçados, tecidos em geral, vidros, artigos para presentes, secos & molhados. Com origem na República Velha. Mas, nos meus comentários fiz referências que, em certa época, não retive na janela da memória boas recordações, infelizmente.

Vejamos. Meu pai nasceu em Lamim, cidade cercada de morros tristes, próxima de Itaverava. Em 1937, trabalhava com sua farmácia em Padre Brito distrito à época, de Barbacena.

Aceitando convite transferiu naquele ano, para Carandaí e tornou-se empregado da Casa Nogueira responsável pela contabilidade geral inclusive de uma olaria que era vinculada ao proprietário. Gozou de prestígio. Casou-se em 1940.

Em 1954, foi motivado a adquirir o fundo comercial daquela casa comercial, incluindo os funcionários com seus direitos trabalhistas. JK, assumindo o Governo Federal, com seu projeto de 50 anos em 5, mudou logo e radicalmente o Brasil. Liga rapidamente pela rodovia BR3 RJ a BH. As viagens tornaram-se fáceis. A industrialização do Brasil se inicia com rapidez. A economia agrária e antiga cede o seu lugar. A inflação surge e os comerciantes locais não sabem ainda lidar com o fenômeno, posto que as compras, anotadas em cadernetas, ficavam com os preços sem correção e os pagamentos se efetuavam quando o comprador tivesse dinheiro. Resultado da ópera: meu pai quebra em 1957. Soube, no entanto, sair da situação com o auxílio de um amigo e advogado Dr. Hélio Figueiredo. Mas pagou pessoalmente muito caro e a família também. O que me foi dado ser a partir daí se fez com meu esforço pessoal. Deixo Carandaí aos 15 anos logo após ter cursado o Ginásio Municipal.

Até lá, ajudando no balcão do armazém no período das férias escolares recordo-me de fatos significativos.

É o que passo de bom a escrever. Porque se trata da vida. Das pessoas. Dos relacionamentos.

Em uma tarde chuvosa e fria ele apareceu no armazém. Acocorou-se perto da porta, encostado no latão de querosene vendido a granel. Gelado de frio. O coaxar dos sapos nos capões de mato da beira do Rio Carandaí era ouvido longe. Tornava-se a tarde nostálgica.

Sebastião Quimucha era o coveiro. Forte como o sertanejo. Calçava sandálias de sola de pneu, tendo entre os dedos uma tira de borracha produzindo-lhe calos antigos no dedão dos pés. Os calcanhares duros estavam rachados. As aberturas cicatrizadas não sangravam mais.

– Sebastião, vem cá, disse-lhe meu pai, o caixeiro naquele instante.

Do lado de dentro do balcão, ainda complementou:

– Vou preparar-lhe algo para aquecer o seu corpo.

Tomando o facão abriu um pão médio de ponta a ponta. Da banda do porco, retirou um naco de toucinho puro, lustroso, colocou-o entre as fatias do pão. Despejou a cachaça em meio copo, misturou-a numa pitada de groselha. Em três golpes ele saboreou o repasto. Ao final, tomou um pedaço de papel cinzento, áspero, utilizado para embrulhar sal grosso e pôs-se a limpar a boca untada.

– Senhor Antonio, Deus lhe pague!

Voltou-se junto à porta. Acocorou-se de novo esperando a hora para subir para o grotão da olaria onde residia.

Aos domingos, de roupa limpa, surrada, era o coveiro que jogava dominó, se não ocorresse nenhum óbito. Anos corridos, em outro serviço, levando um botijão de gás nos ombros, resvalou no passeio, caiu, a fronte chocou-se ao chão e, dias após, encerrava a sua missão de benemérito trabalhador de nossa terra.

Hoje Carandaí é uma cidade moderna. Ruas asfaltadas. Uma mocidade linda. Hospital. Pronto socorro. Condomínios. Três rádios. Supermercados. Pizzarias. E tudo que outras cidades têm de perigoso.

O footing na Praça Barão, no prolongamento da Rua Cônego Cotta, a partir do Grupo Escolar, acabaria sendo feito no leito da União Indústria que ali também passava, e os namorados se inseriam no batismo de poeira deixada pela passagem dos caminhões FNM e por isso não se beijavam. As nossas ruas no traçado urbano eram de chão batido e de cascalho que percorri sempre alegre.

Hoje, muitos ainda teimam em dizer que a vida não melhorou!

Antonio Carlos de Albuquerque

2 Comments

  1. Parabéns Carlito. Com suas memórias e palavras dóceis, transcendem com facilidade a Carandaí antiga e a Carandaí moderna, que muitos insistem e relutam a aceitar. Nossa cidade melhorou muito e com as graças de Deus continuará no rumo do Progresso, sem deixar de engrandecer os que a transformaram e merecem louvor por isso!

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