COLUNA ” PAPO DE MÚSICO”: VIDA LONGA , MÚSICA ETERNA

em Cidade/Destaques por

O ano era o de 1990, e a paixão pelo blues era a companheira do Zé. Fascinado pelas pentatônicas de suas escalas, não pode perder o que levaria registrado para a eternidade na memória mais complexa e de acesso ilimitado, aquela dez ponto zero, com que o Criador o dotou, a ele e a todos.

A tarde caía e lá foi Zé mais um companheiro, de ingresso na mão assistir o lendário show do mestre Eric Clapton, em plena passarela do samba, a Praça da Apoteose. Lulu Santos estava de boi de piranha, porque na época ainda era uma aposta de sucesso não unânime, porém já concretizada, já que música de qualidade e verdadeira era a que então vencia subindo naturalmente os degraus das paradas de sucesso pelos seus próprios méritos.

Zé deixou aquele primeiro show rolar pra encontrar na arquibancada do samba um lugar mais alto e o mais próximo possível do palco gigante. Quando a banda de Eric entrou, acompanhou de olhar brilhante todos os movimentos dos roadies e músicos. O som era estupidamente perfeito, pesado e cristalino como um vinil. A chegada do mestre do blues pôs abaixo a arena, onde uma legião de fãs assistiu boquiabertos ao show por mais de duas horas! Os jornais da época noticiaram depois um “Quem viu viveu!”. Como músico em formação, não passou por ele nenhum instrumento sem ser notado e admirado. Havia um segundo guitarrista solo do qual ele não lembra ou nem soube o nome; mas Nathan East ele conhecia, e deixou enfeitiçar-se pelo seu baixo sem trastes. Longos solos de guitarras, riffs mágicos, voz quente de bluesman, dose perfeita de improviso e entrosamento.

Noite de magia de boa música que atualmente poucos têm a oportunidade de participar, já que a qualidade não é mais o principal atrativo. Hoje o músico é pesado pelo número de pessoas que consegue reunir em torno de barracas de cerveja e tequila. A qualidade musical virou detalhe de quinta grandeza e não dita mais o sucesso ou o fracasso dos “grandes” eventos. Poucos anos após, ouviu o Zé, incrédulo, uns comentários de fãs da boa banda U2 sobre o volume colossal dos efeitos de luz e fogos de artifício que enfeitou um show que fizeram aqui no Brasil. Pensou imediatamente que estava diante de um prenúncio do fim da música como objeto de Arte, e acertou na mosca.

Os tempos mudaram e deixaram no passado a época em que os isqueiros faziam a coreografia da plateia que se concentrava em não perder um segundo do momento vivido. Não havia selfies e redes sociais para expor supostas felicidades e pretensas vitórias por simplesmente estar em  “momentos bons”. Assim,  Zé não precisava perder o tempo mágico de vida expondo a felicidade em fotos e curtidas. O Zé aprendeu que a vida é longa; oferece tempo para tudo, incluindo para não viver o que não lhe era possível ou permitido, tempo para permissão e negação. Sabe que o tempo da música boa levada ao grande público ficou no passado, mas gravado na memória indelével de quem A ama.

Hoje o Zé vive de ouvir a música dos mortos, mortos pela vida ou pela mídia.

 

 

Por: Nilson Teodorico

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

*