“PAPO DE MÚSICO”… Belchior, dos holofotes ao silêncio

em Cidade/Colunistas por

nilson

 

A dor é o sentimento mais intenso vivido por todos e cantado pelo músico. O amor é fruto dela, assim como nós mesmos. Aqueles que torcem o nariz para o “brega” e para o romantismo das canções estão renegando a dor como tal; mas no íntimo todos têm a sensibilidade dolorida e necessária para apreciá-los. Diante do olhar alheio, estes apenas espremem e escondem com receio o que mais cedo ou mais tarde irá escorrer entre os dedos e olhos em lágrimas, secas ou úmidas.

Porque sem dor não nascemos, sem dor não morremos e sem ela sequer amamos. Mas os poetas vão além. Os artistas cantam e experimentam paixões e sofrimentos duplamente maiores, porque são vividos no campo fértil do imaginário, onde qualquer ilusão ou convicção que venha a sucumbir, morre duas vezes mais, e assim também dói duas vezes mais. Belchior cantava esse sofrimento como poucos e suas letras expressavam essa angústia como nenhum outro poeta popular do seu tempo.

A dor no seu canto de métrica que sobrava pelo desespero das misérias e carências humanas, fez com que chorassem os artistas mais sensíveis, lamentando a falta do reconhecimento merecido de sua obra em vida. Um gênio que depois de desistir da carreira, acabou por sucumbir verdadeiramente de sua presença física neste mundo moderno que não perdoa o talento puro, sem verniz e sem maquiagem. Um mundo que hipocritamente acredita que o novo sempre vem (como ele mesmo escreveu e cantou talvez por ironia) diante das frivolidades da mídia. O novo tem vindo sim, mas só é aceito quando nas piores formas possíveis! vulgar e grosseiro, como que debochando da capacidade intelectual e de criação do músico.

Vide a top 10 das nossas rádios, que de top e de 10 nada tem. Falar de Belchior hoje é fácil; basta dizer que era apenas um rapaz de uma raça latina sem pedigree, colonizada pelo capitalismo estrangeiro, que não tinha dinheiro no banco e nem liberdade pra expressar sua opinião… a exemplo do que nos acontece ainda hoje, onde até as classes humildes levantam bandeiras em defesa dos poderosos na doce ilusão de que assim pertencerão à nobreza, apenas por serem aliados. Há dois dias antes de sua morte, citei Belchior nessa mesma coluna. E já como um ser desistido da existência, da glória e do sucesso que faltou ser vivido… como que um cadáver adiado. Parece que já tinha desistido de ser “feito aquela gente que caminha para a morte pensando em vencer na vida”. Choramos de verdade todos aqueles que entenderam finalmente que a sua trajetória “do-sucesso-ao-fracasso” representa a dor de quem ama a Arte e não vê aqui mais espaço para ela.

Na garganta um nó; um sentimento de desamparo de quem perde um aliado que cantava por nós. No coração a dor; a angústia de quem busca, cantando e compondo, o sentido da vida… e jamais está preparado para deixá-la. Um agradecimento especial à minha amiga Denise Silva, psicóloga e música, que me ajudou a raciocinar, entender, sofrer e elaborar a dor desta perda.

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