” PAPO DE MÚSICO”… MÚSICOS DA NOITE E DO DIA

em Cidade/Colunistas/Destaques por
nilson
 Para os músicos, do dia a dia e da noite a noite, com ao menos uma pequena dose de sensibilidade aflorada, é dolorido quando saímos pra trabalhar e lá não encontramos ouvintes receptivos à nossa proposta musical. Todos, até aquele que por algum motivo ainda não sentiu seu público, sentimento doído mas necessário, já passamos por dificuldades com repertório por esta questão.
Talvez pela surpresa do ambiente ou pela expectativa criada. Aí não cabe ao músico a liberdade de escolha, de fazer valer seu estilo e suas influências, tamanha a ferocidade com que a mídia apoderou-se do gosto e da opinião popular. Cheguei certa vez num jantar pra tocar viola, meu repertório raiz e regional, MPB e talvez também um pouco do sertanejo romântico e menos atual, tudo conforme decorresse a noite, DENTRO DA PROPOSTA DO CONTRATANTE.
Lá, no primeiro contato com os hóspedes do hotel, enquanto eu montava o pequeno som, ouvi duas opiniões diferentes sobre música, sobre gosto musical, formação e entendimento, que me levaram a refletir. Um senhor aparentemente culto e bem informado gostou quando comentei sobre o repertório que levei; porém uma senhora mais idosa e não menos distinta contestou de imediato porque esperava “uma coisa mais animada, senão a gente dorme, né? Ah, eu não gosto!…” como se planejasse dançar com o prato na mão, imaginei.
Opostos, opiniões contrárias de um público que parecia ter muito em comum, inclusive respeito e aceitação pela música adequada ao ambiente. Concluí que o músico dessa natureza, sem fama e sem mídia, não deve criar expectativas, até mesmo tendo sido contratado pra fazer SEU estilo.
É impossível sair desalmadamente munido de um repertório eclético! ninguém joga nas onze. Nem sempre será teatralmente ouvido; na maioria das vezes será fundo musical, e não aquele que propõe expor com sua sensibilidade o que julga ser agradável para a ocasião e o ambiente. Só quem enfrenta, afronta, confronta e conflita a noite e o público, passa por essas e outras.
Haja jogo de cintura e, principalmente, resignação pra retorcer-se por esses labirintos. Para quem assiste, provavelmente a apresentação parece ser tudo “o que o músico sabe”, e jamais imaginam o dor do contorcionismo. Nem todo ambiente é teatral, sereno, ouvinte de progressões e acordes trabalhados. Mistura-se aí um coro de cantoria, um gargalhar de alegria deseducada de quem parece gritar que saiu pra viver a noite como suas últimas horas de vida, um bate papo paralelo de desestímulo, um futica-curte-compartilha de celulares, um ajuntamento de mesas em gargalhadas… Vez por outra o ambiente vira salão de dança; quando não um salão assombrado onde tudo se ouve, menos a música em si.
Resta-nos olhar essas cenas do cotidiano, e isso em qualquer profissão!, e treinar em desconstruir nossos projetos do ego e viver a “liberdade” de abdicar de nossa essência, porque o tal sistema, o mesmo do capitão Nascimento, nos fez reféns e prisioneiros do “des”gosto popular que insiste em ouvir que o “décimo mandamento do amor” é, depois de conquistada a confiança do(a) próximo(a), “deixar ela esperar!”.

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